DOSAGEM DO CONCRETO: MÉTODO ABCP

O método ABCP é uma metodologia consolidada para realizar a dosagem do concreto adotada e difundida no Brasil pela Associação Brasileira de Cimento Portland (ABCP). Ele fornece um roteiro experimental que parte da caracterização dos materiais e da consistência desejada para chegar a um traço que combine trabalhabilidade e menor volume de vazios entre agregados

Vale destacar que qualquer método de dosagem fornece apenas um parâmetro inicial para o consumo de materiais, considerando a resistência e a consistência desejadas. Por isso, é indispensável realizar uma mistura experimental com os valores obtidos, a fim de validar tanto a consistência (no estado fresco) quanto a resistência à compressão (no estado endurecido). Ajustes do traço inicial, quase sempre, são necessários.

Para ilustrar o procedimento de dosagem pelo método ABCP, utilizaremos o exemplo prático a seguir:

DADOS INICIAIS

CARACTERÍSTICAS DOS MATERIAIS

Para aplicar o método de dosagem ABCP, é essencial definir previamente as seguintes características dos materiais:

  • CIMENTO:
    • Peso específico: γ = 3100 kg/m³ (ou 3,1 g/cm³). Esse valor pode variar, normalmente, entre 2900 kg/m³ e 3150 kg/m³.
  • AREIA:
    • Módulo de finura (MF): 2,6 (valor obtido a partir do ensaio de granulometria do agregado miúdo)
    • Peso específico: γ = 2620 kg/m³ (ou 2,62 g/cm³). Esse valor pode variar, normalmente, entre 2600 kg/m³ e 2700 kg/m³.
  • BRITA:
    • Peso específico: γ = 2680 kg/m³ (ou 2,68 g/cm³). Esse valor pode variar, normalmente, entre 2600 kg/m³ e 2900 kg/m³.
    • Massa unitária: δ = 1350 kg/m³ (ou 1,35 g/cm³). Esse valor pode variar, normalmente, entre 1300 kg/m³ e 1500 kg/m³.
    • Dimensão Máxima Característica (DMC): valor obtido a partir do ensaio de granulometria do agregado graúdo.

ESPECIFICAÇÕES DO CONCRETO

RESISTÊNCIA CARACTERÍSTICA DO CONCRETO

É a resistência à compressão que o concreto deve atingir ou superar em 95% dos casos, ou seja, é o valor de resistência abaixo do qual apenas 5% dos resultados de ensaios podem ficar.

  • Formalmente: fck = resistência característica à compressão do concreto aos 28 dias (em MPa).
  • É definida com base em uma distribuição estatística dos resultados de ruptura de corpos de prova.
  • No Brasil, segue a NBR 6118 (projeto de estruturas) e NBR 12655 (elaboração e controle do concreto).
  • Exemplo: Um concreto C25 tem fck = 25 MPa, isso significa que, no mínimo, 95% dos corpos de prova devem romper com resistência ≥ 25 MPa (e apenas 5% podem romper abaixo disso, desde que acima do limite inferior definido).

É o valor usado no projeto estrutural (cálculo de dimensionamento).

controle estatístico da resistência do concreto
Controle Estatístico da Resistência do Concreto

No exemplo de dosagem do concreto pelo método ABCP, utilizaremos um concreto C25 (25 MPa).

CONDIÇÃO DE PREPARO

A condição de preparo do concreto é o fator que define qual desvio padrão deve ser adotado no cálculo da resistência de dosagem. Isso ocorre porque diferentes condições de produção influenciam diretamente a regularidade dos resultados de resistência.

Quanto maior a variabilidade esperada no processo, maior será o desvio padrão adotado e, consequentemente, maior deverá ser a resistência de dosagem para garantir que o concreto atinja a resistência característica especificada no projeto.

  • CONDIÇÃO “A” (DESVIO PADRÃO Sd = 4 MPa.): O cimento e os agregados são medidos em massa. A água de amassamento é medida em massa ou em volume, utilizando dispositivo dosador, e sua quantidade é corrigida em função da umidade dos agregados (como ocorre no concreto preparado por empresas de concretagem).
  • CONDIÇÃO “B” (DESVIO PADRÃO Sd = 5,5 MPa): O cimento é medido em massa, a água de amassamento é medida em volume mediante dispositivo dosador e os agregados são medidos em volume. A umidade do agregado miúdo deve ser determinada pelo menos três vezes ao dia. O volume do agregado miúdo é corrigido usando a curva de inchamento específica para o material utilizado.
  • CONDIÇÃO “C” (DESVIO PADRÃO Sd = 7 MPa): O cimento é medido em massa, os agregados são medidos em volume, e a água de amassamento é medida em volume, sendo sua quantidade corrigida de acordo com a estimativa da umidade dos agregados e com a determinação da consistência do concreto.

RESISTÊNCIA DE DOSAGEM DO CONCRETO

É a resistência média que a concreteira precisa garantir na produção para que a resistência característica (fck) seja atingida com segurança.

  • É sempre maior que o fck, porque leva em conta o desvio padrão da produção.
  • Fórmula básica (NBR 12655): fcj = fck + k × Sd onde:
    • fcj = resistência de dosagem
    • fck = resistência característica
    • Sd = desvio padrão da concreteira (em MPa) ou de acordo a condição de preparo
    • k = coeficiente estatístico (geralmente 1,65 para 5% de resultados abaixo do fck)
  • Portanto: fcj = fck + 1,65 × Sd

Exemplo prático:

Para um concreto C25 (fck = 25 MPa) produzido sob condição de preparo tipo “A” (desvio padrão Sd = 4 MPa), a resistência de dosagem é calculada por:

fcj = fck + 1,65 × Sd

fcj = 25 + 1,65 × 4 = 31,6 MPa

Isso significa que a concreteira deve dosar o concreto para obter, em média, 31,6 MPa aos 28 dias, assegurando que a resistência característica de 25 MPa seja atendida com 95% de confiança, conforme os critérios estatísticos adotados.

ABATIMENTO (CONSISTÊNCIA DO CONCRETO)

O método ABCP prevê a dosagem de concretos com abatimentos nas faixas de 40–60 mm, 60–80 mm e 80–100 mm. Porém, o consumo de água pode ser extrapolado para permitir a obtenção de abatimentos mais elevados, conforme indicado na tabela a seguir.

consumo de água concreto método abcp
Consumo de água estimado (L/m³)

Para abatimentos mais elevados, recomenda-se o uso de aditivos plastificantes (RA1 – redutor de água tipo 1) ou superplastificantes (RA2 – redutor de água tipo 2), a fim de alcançar a trabalhabilidade desejada sem elevar excessivamente o consumo de cimento.

TIPO DE CIMENTO

De acordo com o método ABCP, a determinação do fator água/cimento (A/C) varia conforme o tipo de cimento utilizado. Por esse motivo, a curva de Abrams, que relaciona a resistência à compressão dos diferentes tipos de cimento ao fator A/C, é apresentada a seguir:

determinação do fator a/c
A/C, conforme método ABCP

MÉTODO ABCP: EXEMPLO PRÁTICO (COMENTADO)

Para a dosagem do exemplo proposto, serão consideradas as seguintes características:

  • CARACTERÍSTICAS DO CONCRETO
    • RESISTÊNCIA CARACTERÍSTICA DO CONCRETO: fck = 25 MPa
    • CONDIÇÃO DE PREPARO: A (Desvio padrão Sd = 4 MPa)
    • ABATIMENTO: 100 mm (Slump Test)
  • CARACTERÍSTICAS DO CIMENTO
    • TIPO: CP II F 41
    • PESO ESPECÍFICO: γ = 3100 kg/m³
  • CARACTERÍSTICAS DA AREIA (AGREGADO MIÚDO)
    • MÓDULO DE FINURA (MF): 2,6
    • PESO ESPECÍFICO: γ = 2620 kg/m³
  • CARACTERÍSTICAS DA BRITA (AGREGADO GRAÚDO)
    • PESO ESPECÍFICO: γ = 2680 kg/m³
    • MASSA UNITÁRIA: Mu = 1430 kg/m³
    • DIMENSÃO MÁXIMA CARACTERÍSTICA (DMC): 19,0 mm

1 º PASSO: DETERMINAÇÃO DA RESISTÊNCIA DE DOSAGEM

Considerando que a condição de preparo é do tipo C, em que “O cimento é medido em massa, os agregados são medidos em volume, e a água de amassamento é medida em volume, sendo sua quantidade corrigida de acordo com a estimativa da umidade dos agregados e com a determinação da consistência do concreto“.

fck = 25 MPa (Resistência característica do concreto)

Desvio Padrão: Sd = 7 MPa

fcj = fck + 1,65 × Sd

fcj = 25 + 1,65 × 7 = 36,55 MPa

Resistência de dosagem do concreto: fcj =36,55 MPa

2 º PASSO: DETERMINAÇÃO DO FATOR ÁGUA / CIMENTO (A/C)

Para determinar o fator A/C necessário para atingir a resistência de dosagem, utiliza-se a curva de Abrams correspondente ao cimento empregado. No exemplo, adota-se o cimento CP 41. Observação: o gráfico abaixo é uma adaptação do modelo proposto pela ABCP. As linhas aparecem curvas, e não retas como na curva original, porque o eixo da resistência (y) não está representado em escala logarítmica.


CURVA DE ABRAMS ABCP (ADAPTADA)
CURVA DE ABRAMS ABCP (ADAPTADA)

Tem-se, portanto, para o cimento classe CP 41:

CURVA DE ABRAMS
CURVA DE ABRAMS: CP 41 (ABCP)

Fator A/C = 0,52

3 º PASSO: DETERMINAÇÃO DO CONSUMO DE ÁGUA

Com o abatimento desejado (100 mm) e a dimensão máxima característica do agregado graúdo (DMC = 19 mm), utiliza-se a tabela abaixo para determinar o consumo de água por metro cúbico de concreto:

Consumo de água = 205 L/m³

4 º PASSO: DETERMINAÇÃO DO CONSUMO DE CIMENTO

Para calcular o consumo de cimento, basta utilizar as informações já obtidas:

Ca = consumo de água (205 L)

A/C = 0,52

 C_{cim} = \frac{C_{a} }{a/c }

 C_{cim} = \frac{205 }{0,52 } \cong 394,2 kg/m^3

Consumo de cimento: 394,2 kg/m³

5 º PASSO: DETERMINAÇÃO DO CONSUMO DE BRITA (AGREGADO GRAÚDO)

Com as informações do Módulo de Finura do agregado miúdo (MF = 2,6) e do Diâmetro Máximo Característico do agregado graúdo (DMC = 19,0 mm), podemos utilizar a tabela abaixo para determinar o teor de agregado graúdo na mistura:

Porcentagem de Agregado Graúdo ABCP
Porcentagem de Agregado Graúdo na mistura

Portanto, Vb = 0,690

Com esse valor obtido e a informação de que a Massa Unitária do agregado graúdo é Mu = 1430 kg/m³, calcula-se o consumo de brita (agregado graúdo):

 C_{b} = V_{b} \cdot M_{u}

 C_{b} = 0,690 \cdot 1430 = 986,7 kg/m^3

Consumo de brita (19,0 mm): 986,7 kg/m³

6 º PASSO: DETERMINAÇÃO DO CONSUMO DE AREIA (AGREGADO MIÚDO)

 V_{m} = 1 - \left( \frac{C_{c} }{\gamma_{c} } + \frac{C_{b} }{\gamma_{b} } + \frac{C_{a} }{\gamma_{a} } \right)

 V_{m} = 1 - \left( \frac{394,2 }{3100 } + \frac{986,7 }{2680 } + \frac{205 }{1000 } \right)

 V_{m}  \cong 0,2997

Com esse valor obtido e a informação de que a Massa Unitária do agregado miúdo é Mu = 1470 kg/m³, calcula-se o consumo de areia (agregado miúdo):

 C_{m} = V_{m} \cdot \gamma_{m}

 C_{m} = 0,2997 \cdot 2620 \cong 785,2 kg/m^3

Consumo de areia: 785,2 kg/m³

APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS

O consumo de materiais por metro cúbico de concreto é, portanto:

  • CIMENTO: 394,2 kg
  • AREIA: 785,2 kg
  • BRITA: 986,7 kg
  • ÁGUA: 205 L

Para facilitar a aplicação prática do método, é possível automatizar todas as etapas em planilhas Excel, como ilustrado no exemplo a seguir:

PLANILHA DOSAGEM CONCRETO MÉTODO ABCP
PLANILHA: DOSAGEM DO CONCRETO (MÉTODO ABCP)

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O traço unitário é obtido dividindo-se o consumo de cada material pelo consumo de cimento:

1 : a : p : x

 a = \frac{785,2}{394,2} \cong 1,99

 a = \frac{986,7}{394,2} \cong 2,5

1 : 1,99 : 2,5 : 0,52

Teor de Argamassa – α (%): \alpha = \frac{1 + a}{1 + a + p} \times 100

\alpha = \frac{1 + 1,99}{1 + 1,99 + 2,5} \times 100 = 54,46\%

Relação Água / Materiais Secos – H (%): H = \frac{x}{1 + a + p} \times 100

H = \frac{0,52}{1 + 1,99 + 2,5} \times 100 = 9,47\%

VERIFICAÇÕES

É fundamental que o responsável pela dosagem do concreto verifique os valores mínimos de fator A/C e de consumo de cimento exigidos para a Classe de Agressividade Ambiental (CAA) da obra, conforme estabelecido na ABNT NBR 12655:2022 – Concreto de cimento Portland: preparo, controle, recebimento e aceitação – Procedimento.

consumo de cimento classe de agressividade ambiental
REQUISITOS: ABNT NBR 12655:2022 Concreto de cimento Portland – Preparo, controle, recebimento e aceitação – Procedimento
classe de agressividade ambiental
CAA: Classe de Agressividade Ambiental

CONCLUSÃO

Assim como ocorre em qualquer método de dosagem, o método ABCP fornece apenas um ponto de partida para o traço. É indispensável realizar uma mistura experimental para verificar a consistência, a coesão e a resistência do concreto. Na prática, quase sempre são necessários ajustes para aprimorar um ou mais desses parâmetros.

O consumo de cimento geralmente resulta em valores relativamente elevados quando comparado às práticas atuais. Isso ocorre, em grande parte, porque a curva de resistência dos cimentos proposta pelo método está desatualizada. Uma alternativa para contornar esse problema é elaborar a própria curva de Abrams do cimento utilizado, permitindo determinar um fator A/C mais compatível com o desempenho real do material e, assim, obter um consumo de cimento mais adequado.

curva resistência cimento
CURVA DE RESISTÊNCIA DO CIMENTO

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